A estrela sem hora

Meu primeiro mês de trabalho. Finalmente!
Nunca me senti tão feliz. O patrão me entregou todo o dinheiro; um salário mínimo. Meu salário! Oh, glória meu Deus!
Primeira parcela da geladeira de mãe, e o perfume que eu tanto quero, o resto vou depositar na poupança para achar uma casinha e sair do aluguel. Guardei tudo na bolsa; o patrão não confia nos bancos, diz que tudo lá é juros, ele paga com dinheiro vivo.
Saí contente, o sol já tinha se recolhido e a lua brilhava majestosa no céu. Sentei no ponto de ônibus, as pernas doíam, trabalhei muito hoje, limpar o chão da fábrica não é mole não, mas seu Nassif disse que sou mulher de fibra, que tenho sucesso e vou longe nesse mundão de Deus, se seu Nassif disse é porque é verdade, ele sabe das coisas, é homem estudado.
O coletivo veio logo, cheio como sempre, mas hoje eu nem me importo por que estou feliz, e nada vai me entristecer. Dirceu estava lá com sorriso galante de todo dia, que moço mais simpático este cobrador; sonhei com ele dia desses me dizendo boa noite e me dando beijo na mão, acordei bem na hora do beijo. Pobre nem em sonho se dá bem. De tanto olhar para Dirceu a hora passou ligeiro; cheguei na minha parada. Não tinham arrumado o poste ainda, bendito prefeito!
A rua estava um breu feito mata em noite de chuva, só a lua pra alumiar. Quase na esquina passou um moço; parou perto de mim, achei na hora que era um daqueles galanteadores do bairro que não aguentavam ver moça solteira. O moço de aproximou, puxou minha bolsa, gritei pedindo ajuda, nenhuma alma boa. Puxei pelas alças, mas o mulambo me derrubou, meus braços depois de um dia de trabalho duro não tinham forças. O filho de Deus abençoado saiu correndo, levou meu primeiro salário, a geladeira de mãe, meu perfume novo, e a esperança distante da casinha nossa. Levou meus sonhos.


E nesse instante vazio que a estrela não tem hora
Não há lua que ilumine
Não há alma que ajude
Não há nada 
Só há dor e o lamento
Da moça solitária, 
Que sentada na calçada 
Vê no negrume da noite
A esperança indo embora.

 

12 comentários:

Daniel Silva disse...

Que saco! O romance na periferia nunca pode ser verdade. O pobre, tem até mesmo seu pouco, levado, por outro que pensa que está levando apenas dinheiro, mas esquece que com ele vão também sonhos, noites tranquilas e um coração partido.

Will Monteiro disse...

Nossa. Que historia... Muito triste, mas foi linda a forma como vc dissertou.
=*

Jeh Pagliai disse...

Ahhh, tadinha :(

Mtoo triste, mas no mes que vem, tem mais um salário...

Beijinhos

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www.jehjeh.com

Fernando lopes disse...

Fiquei emocionado com sua história...
E mais que isso... Com as suas ultimas palavras.
Trata-se de umretrato vivenciado por muitos!
http://identidade-cultural.blogspot.com/

Mateus disse...

Triste a história. Gostei de você colocar muitas coisas boas antes do desastre. Faz o leitor criar um certo sentimento com a personagem. Muito bom.
Abraço

Rodrigo Celi disse...

adorei seu blog
vc escreve muito bem
tá de parabéns
bjs

Unknown disse...

Triste fim do salário, do dono da loja de eletrodomésticos, do da loja do perfume e do da imobiliária e inegável e principalmente da moça solitária. =( .
Infelizmente é essa a realidade do Brasil de hoje. Pobre trabalha o mês inteiro pra vim um des&@!#*($&!@# e levar tudo.

Otimo post :D

Kobayashi disse...

o mundo é tão errado..Trabalhar tanto pra perder em segundos..

foda.

Mas ae,gostei muito do blog. Bem criativo.

to seguindo.

Anônimo disse...

Primeiro salário...
Bacana isso! Ainda to sonhando com o meu.
Abraço do Mula e boa sorte
mulapicada.blogspot.com (humor ácido)

Yoshi disse...

Por mais triste que seja, é verdade e temos que admitir isso, admitir, mas não ficar omissos, a policia não deve se preocupar só com pessoa de classe média alta ou maior

Joyce Kelly disse...

Aline, como está belo o seu cantinho. Adorei a mudança. E essa crônica... muito boa. A forma como foi descrita a fala, as ações da personagem, tudo em perfeita harmonia.
Parabéns, de coração.
Forte abraço.

p.s. Muito obrigada pelo carinho em trazer o "Em simples palavras" para pertinho de você.

Wil disse...

Não desista nunca! Lamentar é preciso, mas a vida dá voltas.